Memórias do Turfe- N° 1
Xando e o arminho vermelho
Fernando Martins
O final da década de setenta e início dos oitenta foram sem dúvida nenhuma tempos áureos para o turfe nacional, os principais hipódromos da País estavam em plena atividade e os da periferia também, o turfe nacional conquistava importantes vitórias no cenário latino americano e já começava a exportar animais até para o forte e concorrido mercado norte americano.
Dentro deste cenário, o interior do Rio Grande do Sul chamava a atenção pelo número de hipódromos em atividade, eram Pelotas, Rio Grande, Santa Maria e Bagé. O principal Grande Premio de Rio Grande era realizado nos primeiros dias do mês de fevereiro, enquanto que o de Pelotas nos primeiros dias do mês de março, uma curiosidade logo apareceu aos olhos de todos, a pesar de serem praticamente os mesmos animais a competirem nos dois hipódromos em um espaço tão curto de tempo, o vencedor em Rio Grande nunca vencia em pelotas, formou-se então a ideia de tabu. Por mais que o vencedor em Rio Grande fosse qualificado e estivesse em condições excepcionais fracassava em Pelotas. Foi que então um dos mais tradicionais turfistas de Pelotas resolveu acabar de vez com o tal de “tabu”, foi ao Rio de Janeiro buscar um animal de qualidade superior para quebrar o tabu.
José Morelo trouxe para Pelotas em meados de 1978 Xando (Adil e Oleina por Burpham(GB) de criação do Haras Jahu e Rio das Pedras. Xando estreou na tablada em uma turma fraca em novembro vencendo com facilidade, a partir dai foram vários triunfos na tablada, preparando-se para o Cidade de Rio Grande em fevereiro. Fevereiro chegou e com ele veio a vitória incontestável no hipódromo da Vila São Miguel, Xando venceu com facilidade seus oponentes, restava agora a glória máxima, a vitória no GP Princesa do Sul em Pelotas.
Porém José Morelo queria mais, não queria apenas vencer, queria que toda a Cidade admirasse e aplaudisse seu feito. Nos primeiros dias do mês de março Morelo pagou propaganda nas rádios de Pelotas e de Rio Grande (nos intervalos dos programas turfísticos) antecipando a narração da corrida que daria a vitória a seu pupilo, contratou o narrador oficial da Tablada que convocava os turfistas a comparacerem ao hipódromo e narrava a saída e a chegada da prova. Ivan Aune anunciava assim: “foi dada a partida para o princesa do sul, acertou por junto a cerca interna Atlético... nos metros finais na ponta Xando não vai perder mais, dois corpos aproximam-se, cruzam a faixa final”. Para a tristeza de Morelo, Ivan acertou só a primeira parte da corrida, Atlético fora o ponteiro até a metade da prova, mas o final... o final reservaria uma surpresa a todos.
Era março de 1979, tarde ensolarada em pelotas, calor intenso e um público que superlotava as dependencias da tablada, todos foram para assistir ao grande feito de Xando, José Morelo com sua aparencia simpática era só sorrisos, todos queriam cumprimenta-lo, quando Xando pisou na raia da tablada, todos tiveram a certeza da sua vitória, trazido no último furo pelo experiente Adeni Barros e conduzido pelo competentíssimo Rui Souza então lider da estatística na tablada só poderia resultar em triunfo, mas Xando tinha inimigos, seu principal opositor não havia corrido em Rio Grande , também trazido do centro do país por um fiel amante do turfe Antonio Ferreira Martins, Zic Garbo se credenciava a estragar a festa promovida por Morelo, porém seu handicap era um tanto quanto inferior e ao contrário de Xando, havia perdido em sua estréia na tablada para a competentíssima Ufana em páreo só decidido em cima do disco.
Final da tarde, após o canter as filas para apostar em Xando eram quilométricas, pouco importava se devolveria o dinheiro, e certamente devolveria, mas as pessoas queriam apostar no vencedor, ter o prazer de participar da festa como membros ativos e não como coadjuvantes. A lotação era tamanha que faltavam lugares para tanta gente, eu acabei por assistir da bacia pois estava menos tumultuada. Quando veio a largada nos 2200 a expectativa era grande, podiamos perceber a ansiedade de todos, Morelo quase não respirava de tanta tensão, no início tudo conforme o previsto, o ligeiro Atlético foi para frente enquanto Xando corria no bloco intermediário e Zic Garbo espiava de perto, a prova foi sem grandes alterações até o final da reta oposta, quando Rui Souza exigiu de seu pupilo, entrou na reta final a meio de raia e foi ultrapassando um a um seus adversários e tudo que se imaginava era que chegaria na frente, mas para a surpresa de todos nos últimos duzentos metros surgiu por junto a cerca interna um cavalo de arminho vermelho que ia com raiva em direção ao disco, seu jóquei sequer batia, mas na posição clássica do freio parecia tocar violino, Rui Souza exigiu o máximo de seu pupilo, mas foi em vão, Xando foi ultrapassado e chegou a três corpos do vencedor, trazendo Zic Garbo logo a seguir.
Todos se olhavam sem saber o que estava acontecendo, parecia um filme que não tinha o final feliz, o diretor havia se enganado no script; levei alguns segundos para me recompor e poder perguntar para alguém quem tinha vencido, pois não fazia a menor idéia, ninguém fazia, o ilustre desconhecido que roubou a cena se chamava Reide, era de propriedade das Fazendas Mondesir com sua tradicional farda branca de mangas azuis e boné vermelho, e também o arminho vermelho, ah o arminho vermelho... aquele arminho gerou a insonia de muita gente, inclusive a minha nos dias seguintes.
A tristeza era geral, enquanto os vencedores faziam a festa a maioria do povo ia embora triste...e o tabu? o tabu se mantinha como que a zombar de todos. Mais tarde Xando ganhou e perdeu clássicos em sua campanha no Cristal, mas seu principal objetivo não foi alcançado. O tabu foi quebrado alguns anos depois, quando ninguém esperava sem glamour e sem um público fantástico pelo pequenino Engate, mas isso, isso já é uma outra história...
Hipódromo da Tablada |
* Fernando viveu alguns bons momentos de sua vida entre os hipódromos da Tablada e do Cristal, é um apaixonado pelo turfe e pelos cavalos, pretende num futuro próximo ser criador de PSI.